“Tem-se afirmado ser Eça o Zola português, mas o naturalismo expresso pelo escritor francês nunca foi presença absoluta na sua escrita, antes elemento subalternizado, do qual se libertou pelo pessoalismo da sua arte. Segundo Ernesto Guerra da Cal, “a sua evolução foi lenta, harmoniosa, intensa. A disciplina férrea de observação aquietara a sua fantasia e serenava a sua forma. Conquista então a sua “maneira” inconfundível, sugestiva e irónica, síntese consciente dos dois pendores contraditórios da sua psique: o impulso atávico do seu temperamento para a livre imaginação, o lirismo e a eloquência, dum lado; e do outro a tendência, adquirida mercês da educação positivista, para uma percepção clara e imediata dos elementos objectivos da realidade e o desejo de exacta expressão deles, sem desdenhar, ou mesmo procurando-lhe, os aspectos prosaicos, feios ou baixos”.”
Carlos Leite Ribeiro
Eça é um homem inconfundível, como Ernesto da Guerra nos mostra na sua tese de doutoramento, no entanto esforça-se por aparecer como um homem comum, protegendo se atrás de uma sociedade industrializada e democratizada. Ao analisar as obras deste escritor é possível observar que Eça não se encaixava tão facilmente na sociedade como pretendia. Um escritor exímio e hábil no uso da palavra e da ironia destaca-se demasiado na sociedade que continuamente eliminava o mínimo resquício de excepcionalidade. “Neste país, no meio desta prodigiosa imbecilidade nacional, o homem de senso e de gosto deve limitar-se a plantar com cuidado os seus legumes.” Revela-nos ironicamente o autor através de Ega.
Naturalmente, a crítica social é o tema mais visado pelo autor. Deste modo, Eça esforça-se por nos dar um panorama do país que embora pejorativo não deixa de ser divertido. O Sr. Dâmaso Salcede, por exemplo, que de forma “chic a valer” apresenta a degradação moral, a hipocrisia, o jogo de influências políticas e a falta de ideias da imprensa. Ou então situações como a corrida de cavalos que termina com uma pancadaria “ que vem a quebrar todo o verniz da civilização”. Esta característica de Eça em levar a critica ao extremo do ridículo tornando-as mais fáceis de digerir, torna este autor numa fera indomável capaz de nos ferir com as mais belas palavras.
Algo ainda característico em Eça é a consistência do autor em partilhar com algumas personagens os seus entusiasmos, receios, fobias e alguns aspectos autobiográficos que nos levam a idealizar este autor. No entanto, os sentimentos ou acontecimentos da vida que Eça nos revela nunca acarretam dramatismo ou romancismo porque o autor se proíbe a faze-lo. Ele defende-se de tomar confissões demasiado íntimas deixando o que poderia ser um desabafo sentimental cair em ironia, ás vezes melancólica, mas quase sempre risonha.
Desde muito novo, que Eça se protege atrás da ironia, por um lado, devido à falta de afecto que recebeu na sua infância e, por outro, devido à pesada ordem burguesa em que foi criado. Com efeito, Eça mostrara um grande interesse na literatura e a sua formação em direito na universidade de Coimbra ficara marcada por alguns escritores como Garret e Herculano. Românticos de outro tempo que recorriam ao uso da prosa narrativa de grande alcance e profundidade. Mas o povo encontrava-se saturado destas extensas prosas melancólicas que não iam dar a lado nenhum. Eis então que surge Eça de Queirós impregnado de uma espectacular e inovadora arte narrativa, revelando um humor caricatural, que terminaria com o tédio do povo. Deste modo, Eça submetia a Língua Portuguesa a uma mutação que iria abalar os pilares do Ultra-romantismo.
“O naturalismo, (…) essas rudes análises, apoderando-se da Igreja, da Realeza, da Burocracia, da Finança, de todas as coisas santas, dissecando-as brutalmente e mostrando-lhes a lesão, como a cadáveres num anfiteatro; esses estilos novos, tão preciosos e tão dúcteis, apanhando em flagrante a linha, a cor, a palpitação mesma da vida; tudo isso, caindo assim de chofre e escangalhando a catedral romântica.”
Pagina 134, de “Os Maias”
Eça de Queirós, no entanto, aceita partes do romantismo como uma herança genuína entregue à sua geração de intelectuais, Geração que viria a revolucionar a cultura portuguesa. A denominada “Geração de 70” composta por jovens que estudaram na universidade de Coimbra como Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, entre outros que representavam uma revitalização do Ultra-Romantismo. Neste novo romantismo latejava, porém, uma inquietação partilhada por Eça e João da Ega. O receio, que Ega reconhece, de que tanto Carlos da Maia como ele próprio não passaram afinal de “românticos”, isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão…”
Deste modo, o próprio autor, através da sua personagem autocaricatural, revela-nos com algum desgosto a impossibilidade de alterar Portugal. A sociedade que teimava em reger-se pela emoção e que nem as leituras actualizadas, nem a educação inglesa, nem as viagens pelo estrangeiro podia alterar. Como tal, o objectivo da geração de Eça, de instaurar um novo intuito pedagógico baseado na razão fracassara.
“Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço do Ega:— É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.— Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!— E que somos nós? — exclamou Ega. — Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...— Creio que não — disse o Ega. — Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de se ser insensato ou sem sabor...— Resumo: não vale a pena viver...— Depende inteiramente do estômago! — atalhou Ega.”Pagina 593, de “Os Maias”
Só a paixão dá sentido à vida – é a conclusão paradoxal a que chegou João da Ega. A personagem que mais combateu a literatura e a sensibilidade romântica rende-se por fim.
À pergunta “Quais os escritores que mais o influenciaram?”, Vergílio Ferreira respondeu: “Em primeiro lugar, o meu sempre admirado Eça. Não o do adultério, etc., como é óbvio. Nem mesmo o da graça por mais fina. O outro. O que sobra ainda desses. O da palavra.”
Transcreve texto de Ernesto Guerra da Cal, mas não comenta ou desenvolve a sua conclusão aquela opinião.
ResponderEliminarVer também que quando transcreve passos dos Maias não alude à sua origem, nem referencia o capítulo.
"Deste modo, o próprio autor, através da sua personagem autocaricata,"
ResponderEliminarSerá mesmo isto que quer dizer?
No final do seu texto, vinha a propósito algum momento de "Os Maias"... O que acha?